Seres mitológicos vivendo nos tempos modernos e escondidos da humanidade não é exatamente novidade no mundo do entretenimento. Crepúsculo, Academia de Vampiros, Shadowhunters, Cidade Invisível, todos eles abordam a premissa de “e se os contos fossem verdade?”.

Há todo um charme por trás desse enredo que tanto se repete e não se esgota. Há milênios, desde que o mundo é mundo, o ser humano vive de lendas, nosso imaginário coletivo foi construído sobre mitologias, que não apenas serviam como uma forma de explicar o mundo desconhecido, mas também é uma importância ferramenta cultural que nos formou como sociedade.

É a partir desta ideia que chego ao k-drama Tale of the Nine-Tailed (tradução livre: O Conto das Nove Caudas).

Os pais de Ji-ah desaparecerem misteriosamente após um acidente de carro do qual ela saiu ilesa. Vinte anos depois, ela nunca desistiu de encontrá-los, e mais: tem a certeza que o que aconteceu aquele dia na estrada tem envolvimento de seres sobrenaturais. Em sua determinação, ela monta um programa de televisão de grande sucesso que busca estudar e desvendar seres míticos (uma coisa meio Ghost Hunter e Minha História de Fantasma). É durante seu trabalho que ela esbarra em Lee Yeon, um homem charmoso e misterioso que ela tem certeza de possuir um poder sobrenatural e que pode lhe dar as respostas que tanto procura.

Como o título do dorama já diz, Yeon é uma raposa de nove caudas (gumiho) um ser mítico muito presente nas culturas coreana, chinesa e japonesa, de moral duvidosa e que é conhecido por apreciar fígados humanos. Comumente representando como uma mulher, desta vez temos um homem. Um espirito de mais de mil anos e protetor da natureza, que largou seu alto cargo há mais 900 anos ao se apaixonar por uma humana, passando o resto de seus dias em busca de sua reencarnação enquanto provocado por seu meio-irmão do mal Lee Rang.

Temos a base, então, do enredo, que promete não apenas recontar mitologias coreanas, como também trazê-las para o mundo moderno cheio de tecnologias e ceticismo. Onde essas criaturas se encaixam na nossa atualidade? Guarda-chuvas se transformam em espadas e óculos aparentemente normais possuem habilidades nunca vistas antes.

Apesar da promessa de romance de fantasia em primeira estância, TotNT vai bem mais além. Com mistérios a serem resolvidos e uma trama muito maior que liga todos os 16 episódios, tanto o desaparecimento dos pais de Ji-ah quanto o romance de Yeon funciona como ferramentas para impulsionar a história. O balanço por fim é certeiro: começamos com drama mais leve, mediados através da curiosidade de Ji-ah e o desinteresse de Yeon. A trama se desenvolve e obscurece, como é de se esperar, mas são os diálogos naturais e momentos um tanto cômicos que mantem um roteiro longe de ser dark e um ritmo gostoso e dinâmico de assistir.

Com sequências de ação de tirar o fôlego, a trama acerta em expandir seu mundo para além do casal principal. Em um estilo investigativo, as histórias de seus personagens se entrelaçam de forma a montar toda uma teia que percorre por anos e que envolve muito mais do que eles imaginavam. Aqui faço um paralelo com Cidade Invisível, caso você tenha assistido a série brasileira da netflix que reconta nossas crenças também em um mundo contemporâneo cheio de mistérios.

Além de uma história totalmente envolvente, os personagens não deixam a desejar. Como sempre, Lee Dong-Wook acerta em seu papel como o Nove Caudas, entregando todo um misto de sentimentos – e perigo – que somente uma raposa de mais de mil anos poderia ostentar. Cho Bo-ah também não fica atrás, com uma mocinha que é tão heroína quanto o personagem título. Sem medo de sujar as mãos ou de se colocar em perigo, entrega uma personagem párea para seu par: alguém forte e uma parceira, onde ambos resgatam um ao outro como iguais.

No núcleo vilanesco, seria de bom tom não falar muito para não dar spoiler, mas os grandes vilões são realmente uma coisa. Um deles é de tremer até mesmo as nove caudas de Yeon, e o outro com aquele perigo de não ter nada a perder. Uma combinação dessas e temos uma ameaça que deixa todos do mundo sobrenatural em alerta. Obviamente, também estamos falando em mitologia e crenças aqui, e aprendemos um pouco mais sobre a modernização de outra criatura milenar da cultura coreana.

Quanto ao Lee Rang, o meio-irmão, é um dos personagens mais ambíguos e interessantes da trama. Moralmente duvidoso, seu desenvolvimento aconteça aos poucos e quase sem que o próprio perceba. É interessante ver como ele alimenta seu lado ruim com facilidade, mas também se mostra capaz de compaixão. Seria ele uma alma a ser salva?

É uma ótima série para se ter um primeiro contato com mitologias e crenças diferentes de que estamos acostumados a consumir. Envolvente do começo ao fim, a trama evolui e nos capítulos finais nosso coração acelera tentando descobrir qual será o desfecho. Quem irá sobreviver ao fim dos tempos?

Tale of the Nine-Tailed foi renovada para mais duas temporadas, que funcionarão como prequelas, cada uma abordando uma época da história nesses 900 anos de espera de Yeon. Além de Dongwook, foram confirmados Kim Bum como o meio-irmão Lee Rang e Kim So Yeon, cujo papel ainda não foi divulgado.

Para quem já assistiu – ou não liga muito para spoilers. Eu preciso comentar dois itens importantes do final – sobre o sacrifício e a volta de alguns personagens. Então siga na área de spoiler abaixo:

ÁREA DE SPOILERS

(fonte das informações: Mind Melt on a Bun)

1) O sacrifício de Rang Lee

Muita gente ficou revoltada com o sacrifício final, mas veja, ele foi necessário. Há 900 anos Ji-ah se sacrificou para salvar Yeon e matar o Imoogi. Então Yeon se sacrificou para terminar de vez com a criatura. Durante muitas anos Rang esteve fugindo das consequências de seus atos amorais, matando sem peso na consciência e colocando em primeiro lugar seus desejos acima dos demais. Pode parecer triste que quando ele finalmente tenha encontrado uma família ele se sacrifique para trazer Yeon de volta, mas isso na verdade faz parte de seu arco de redenção. Ele pela primeira vez agiu altruisticamente e por amor. Ele sabia que todos ficariam bem. Após tantas atrocidades dos últimos 900 anos (que ele não se arrepende), finalmente entendeu que era ele quem deveria fazer algo pelo Yeon. Foi triste, porém simbólico e cheio de importância. E o vemos novamente mais a frente em sua reencarnação, com uma nova chance de ser feliz com o amor de sua família desde a infância. Então, de certa forma, ele também teve seu final digno.

2) A volta de Yeon 

Essa eu precisei pesquisar. Como vemos no final, Yeon para salvar a humanidade pula no rio da passagem entre a vida e a morte com Imoogi. Ao fazer isso, está condenando os dois, pois uma vez lá não existe reencarnação ou volta. Com o sacrifício de Rang, o Juiz da Morte aceita trocar sua vida pela do irmão, trazendo-o então de volta para o mundo mortal. Ao aparecer, Yeon diz ser apenas um humano. Mas então na última sequência o vemos, escondido de todos, sacar novamente sua espada para dar cabo numa ameaça à luz da luz cheia – trazendo a tona seus olhos de raposa. Mas porque ele mentiu para todos?

A resposta é um pouco mais complexa. Lembre-se de que ele foi trazido de volta, e não simplesmente reencarnado. Ele estava fadado a vagar pelo rio por toda a eternidade se o Juiz não o tivesse tirado de lá. Então ao voltar ele era o Lee Yeon de sempre: o raposa de nova caudas.

Segundo a crença, um Gumiho pode se tornar um humano ao seguir algumas regras. Deve não matar ou comer humanos ou seus fígados (coisa que ele já não fazia), se algum humano descobrir sua natureza não deve contar a ninguém por 10 dias (a única humana em sua vida era Ji-ah). Mas o item MAIS importante: por um período de 100 dias o gumiho não pode ser detectado por aquele com quem casou. Caso descubra, ele perderá sua oportunidade e só poderá tentar novamente dali mil anos.

Então, de certa forma, Yeon estava em provação. Ele era uma raposa virando um humano, portanto as características das duas natureza lhe pertenciam. Ji-ah não poderia saber de jeito algum até ele virar um humano por completo ou todo seu esforço em ser humano e passar a vida com ela seria em vão. Estava tudo indo tranquilamente, até que… o espírito do infortúnio cruzou o caminho da Ji-ah. Poderia não ser um problema tão grande se não fosse o fato de que o infortúnio poderia trazê-la a descobrir a verdadeira natureza de Yeon, arruinando sua única chance de se transformar em humano ao seu lado.

Também sendo as crenças, a lua cheia simboliza metamorfose. Da mesma maneira que ela é o gatilho para o lobisomem, é também seu poder que possibilita que Yeon se apodere completamente de seu lado Gumiho e use seus poderes para dar capo no espírito do infortúnio antes que ele se torne uma ameaça real.