S. J. do Rio Preto – 9 de agosto de 2020

Querido Pai,

Como estão as coisas aí em cima? Imagino que movimentadas devido a bagunça que está o mundo. Coisa de louco, não é? Eu nunca imaginaria que tanta coisa pudesse acontecer em um ano. Mas talvez você possa ver as coisas com maior clareza agora, não é?

Você se lembra de quando a gente trocava cartas? Creio que umas das minhas maiores motivações para começar a escrever seja isso. Eu não lembro muito bem do fato em si – tinha 4 anos, fala sério – mas guardo comigo a memória afetiva de receber suas cartas, dos imãs de peixinhos que tinha até pouco tempo, da emoção em enviar algo pro papai. Tenho todas elas guardadas em uma caixa bem fechada em casa.

Guardo comigo também o carinho que era quando voltava de São Paulo. Lembro dos chocolates – sempre que vinha trazia uma barra de toblerone ou aquela caixa dos bombons de conchas e cavalos marinhos.

Lembro do cheiro do incenso. Do violão tocando e da sua voz rouca no quartinho da garagem. Com muito carinho, não me esqueço de quando amarrava uma de suas bandanas na cabeça e escolhia o próximo álbum da nossa coleção para tocar bem alto no som estéreo. Eu dançava com você e achava a maior graça.

Lembro de quando costurou diversas lantejoulas no meu biquini como parte de uma fantasia de carnaval, e de quando sentava para pentear meu cabelo e fazer tranças. Lembro do seu perfume favorito e de como eu adoro o tanto que ele fica impregnado na gente.

Eu guardo comigo todas essas coisas. E foco em todos os momentos alegres que compartilhamos juntos. Dizem que quando as pessoas morrem subitamente elas passam a não ter defeitos; não concordo. Quando as pessoas morrem eles só passam a não ter mais tanto valor assim.

Eu amei você e vou continuar amando. Mesmo que tenhamos tido nossas desavenças. Mesmo que a vida tenha nos afastado por tempo demais – e encontramos nosso caminho de volta talvez muito em cima da hora.

Eu queria poder ter dito todas essas coisas antes. Queria muito. Ao invés, escrevo essa carta, sabendo que irá recebe-la mesmo assim, eu é que não vou receber a resposta.

Essa coisa de conversamos com via de mão única é meio injusta, sabe. Mas tudo bem. Estou me acostumando ainda.

No mais, você sabe: eu estou bem. Estou ficando bem. E vou ficar bem.

Continue acompanhando nossas aventuras da maneira que puder aí de cima.

Nós estaremos rezando por você aqui de baixo.

Te amo do tamanho do infinito.

Sua filhota,

        Maria