Vou fazer uma pergunta e quero que vocês sejam bem honestos com vocês mesmo: vocês estão lendo um livro e o autor não descreveu o personagem. Como vocês imaginam a cor da pele dele?
Ergam a mão se vocês, sem pensar, imaginaram o personagem branco.
Tudo bem, eu também estou erguendo. Eu fiz isso muitas vezes, e ainda faço – muito embora esteja me esforçando a sair do lugar comum. Mas agora eu quero convida-los a pensar um pouquinho do porque isso acontece. Vamos lá?
Noma Dumezweni como Hermione Granger e Jennifer Lawrence como Katniss Everdeen
Vou dar um pouco de contexto sobre os negros que pode se aplicar ao resto da minha linha de pensamento: foram escravizados por séculos e, mesmo após a abolição, suas vidas não mudaram com um passe de mágica. Continuaram mal vistos pela sociedade, marginalizados – não se esqueçam, por séculos construiu-se uma visão negativa sobre eles. Tinham banheiros separados, pois acreditava-se que possuíam doenças. Tinham espaços sociais separados, pois acreditava-se que eram sujos. Não podiam votar, não possuíam acesso à saúde ou educação facilmente. Negro era (e ainda é, infelizmente) sinônimo de pobre, sujo e malandro. Vocês conseguem imaginar, no século passado, dar-se espaço a uma imagem com um peso tão negativo? Vocês acham que a sociedade queria que eles tivessem qualquer espaço? Eles não eram vistos nem ouvidos, consequentemente, não eram representados.

Consequentemente, quase não há personagens negros na história ocidental, tornando-os, assim, estranhos na homogeneidade branca. O mesmo se aplica à índios (que, hello, estavam aqui antes de nós estarmos), latinos, orientais (que imigraram para cá na época colonial). Vamos chamar toda essa diversidade étnica, diferente dos brancos, de Pessoas de Cor (termo muito usado nos Estados Unidos para englobar todas as etnias em situação de minoria).

Uma amêndoa, caso não saiba como é.

Vamos focar na literatura de massa, que está sempre na mídia e sendo adaptada para cinema e televisão, e nas mãos dos jovens, que é a literatura mais influente. Nessa literatura, a esmagadora maioria é branca ou dada como branca. São poucos personagens que fogem desse padrão. Katniss, de Jogos Vorazes, no trecho em inglês, é descrita como tendo pele cor de oliva (em português ficou só “pele morena”). Rose Hathaway de Academia de Vampiros, tem a pele morena, a cor da parte de dentro de uma amêndoa (O Beijo das Sombras, página 24), uma vez que seu pai é turco. Lara Jean, de Para Todos Os Garotos Que Já Amei tem traços orientais, sendo filha de mãe coreana. Para cada uma dessas três personagens que eu citei, consigo citar com mais facilidade outros 10 personagens brancos. A proporção é muito, mas muito desequilibrada. Se o autor não descreve a personagem, então ela é branca, porque assim é o esperado. O diferente precisa ser descrito. Entendem onde quero chegar?

Zoey Deutch como Rose Hathaway

Os livros fazem sucesso, seus direitos são comprados e o que acontece? Atores brancos para o elenco. Aconteceu com dois dos três exemplos citados: Jennifer Lawrence como Katniss e Zoey Deutch como Rose. Personagens descritivamente de pele escura, claramente não-brancos, ainda assim suas atrizes o são. “Mas elas são ótimas atrizes, isso é o que importa”, vocês podem me dizer. Não estou dizendo que não sejam, isso não está em pauta. Mas os atores não-branco naturalmente não possuem espaço na mídia, e quando há uma chance de ser diferente, a chance é perdida.

Isaiah Mustafa como Luke Garroway

O “engraçado” é que o pensamento “o importante é atuar bem” parece não se aplicar a atores de cor. Vemos muito isso quando o ator é negro. Aconteceu quando selecionaram a atriz Noma Dumezweni, negra, para a Hermione na peça de Harry Potter e o ator também negro, Isaiah Mustafa para Luke em Shadowhunters. Subitamente, eles deixavam de ser atores e pessoas, passaram ser apenas definidos pelo tom de sua pele. Como ousam escalar atores negros para personagens brancos? Não vai mudar nada na história, mas como ousam? [insira risada irônica aqui] Em adaptações sempre rola um descontentamento pelo simples fato de ser diferente do imaginado ou do original. Mas o peso é muito maior quando se trata de artistas de etnias diferentes. Dois pesos para a mesma medida.

A primeira vez que eu me identifiquei com um personagem foi lendo Harry Potter quando tinha uns 10/11 anos. Eu tinha a mesma idade deles e amei que a Hermione tinha cabelos armados e dentes grandes, assim como eu. Mas eu sempre a imaginei branca, mesmo que durante os livros nunca tenha sido especificado a cor de sua pele. Ainda assim, caíram em cima com críticas de que estavam mudando “uma característica importante”, quando, claramente, não é.

Demorou anos para eu me identificar realmente com alguém novamente, e foi a Rose Hathaway. Foi a personagem mais próxima que cheguei de mim. E eu a amava já por isso. Lógico que não foi só pela aparência física da Rose, eu a amo por ser quem ela é, mas a aparência me conquistou, porque eu conseguia me imaginar no lugar dela sem que eu me sentisse uma intrusa naquele mundo.

É muito importante criar personagens diferentes para quebrara a homogeneidade da arte – afinal, somos todos de diferentes cores, formas e texturas! Mas poder adaptar e incluir outras etnias em um lugar que não tem também é importante sim, para pelo menos tentar diminuir essa distância, porque essa lacuna de anos não será apagada. Representatividade importa
Não é mimimi, não é encher o saco. Poxa vida! Eu estou aqui tanto quanto você e quero ser representada e me sentir parte desse mundo, não quero me sentir invisível. O cinema e a literatura existem há séculos e é dominado por uma homogeneidade branca. Somente criar personagens negros ou índios, ou orientais, não vai fazer com que isso diminua a disparidade da coisa. Então eu quero mais é que criem personagens coloridos. Que transformem Rainha Elizabeth em uma negra linda.
Viola Davis foi primeira atriz negra a ganhar o Emmy e ela disse em seu discurso: “A única coisa que separa mulheres de cor de todo o resto é oportunidade. Você não pode ganhar um Emmy por papéis que simplesmente não estão ali.”Chega de desculpinhas para justificar preconceito diários. Eu quero que vocês parem e pensem, reflitam, de verdade, façam isso. Abram a mente para as possibilidades. O mundo é tão gigantesco e colorido, para que usar sempre as mesmas cores de lápis?